terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sobre o filme, "As asas do desejo", de W. Wenders

«Quando deus, infinitamente desiludido, fez preparativos para se afastar para sempre da terra e abandonar a humanidade ao seu destino, aconteceu que alguns dos seus anjos o contrariaram e intervieram em favor da causa dos homens: devia dar-se-lhes ainda mais uma oportunidade.
deus, irado com o seu protesto, desterrou-os para o mais terrível lugar do mundo: Berlim.
E, depois, afastou-se.
tudo isto teve lugar no tempo que hoje se designa por “últimos anos da guerra”.
E assim, estes anjos caídos na segunda queda dos anjos”, estão presos, desde então, nesta cidade, sem esperança de salvação ou mesmo de regresso ao céu. estão condenados a ser testemunhas, eternamente, nada mais do que espectadores, sem poder sequer influir o mínimo sobre os homens ou intervir no curso da história. nem sequer um grão de areia pode ser movido por eles … »( w. Wenders)

domingo, 29 de novembro de 2009

"O Milagre em Sant'Anna"

Miracle at St. Anna

Estreia: 19 de Novembro, 2009
Duração: 160 min.

Elenco: Derek Luke, Michael Ealy, Laz Alonso, Omar Benson Miller, Pierfrancesco Favino, Valentina Cervi, Matteo Sciabordi, John Turturro, Joseph Gordon-Levitt, John Leguizamo

Realização: Spike Lee
Argumento: James McBride
Produção: Roberto Cicutto, Spike, Lee, Luigi Musini
Estúdios: Touchstone Pictures, 40 Acres & A Mule Filmworks, On My Own, Rai Cinema
Distribuidora: ZON Lusomundo

Género: Drama, acção, guerra, thriller
País: EUA, Itália
Ano de produção: 2008

Sinopse:
O Milagre em Sant'Anna, de Spike Lee, é mais um arrepiante épico sobre Segunda Guerra Mundial. Narra a história de quatro soldados afro-americanos pertencentes ao exército americano, à "Divisão Buffalo Soldiers",destacada na Toscânia, Itália.
Todos experimentam a tragédia e o triunfo da Guerra e vêem-se encurralados dentro de linhas inimigas e separados da sua unidade, depois de um deles ter arriscado a vida para salvar um menino italiano.

A Guerra, sempre a Guerra, em nome da Paz…

Pátrias desoladas pelos horrores da Guerra. Corpos despedaçados cobrem a Terra com um manto vermelho. O sangue tinge as águas, daqueles que foram e não mais voltaram. Almas ultrajadas vagueiam por este Universo incógnito, sem destino.
Uma criança chora, a preto e branco. Outra soluça, de olhos esbugalhados pelo horror, ao mesmo tempo que se esconde dos Homens de verdes fardas, que correm, de arma em punho, para todos os lugares, pelo sórdido prazer da morte e do sangue. Já não têm Fé, nem Paz, nem Amor, nem Esperança, nem Nada… Já não sabem que são humanos.
Movem-se como autómatos. Tornam-se meras máquinas programadas para matar, indiscriminadamente. A Guerra torna-se um vício, um hábito enraizado, qual nicotina, cuja ausência desatina.
Não há mais um lar habitável para além deste cenário de todas as desgraças. Restam as trincheiras, os campos de batalha, onde a morte de uns é a vida de outros.
Violência e mais violência…Atrocidades e mais atrocidades… movem um ciclo completamente vicioso, sem princípio nem fim. A agressividade perpétua marca os espíritos robotizados dos fazedores da Guerra.
Fazer Guerra para alcançar a Paz, dizem os mentores dos pseudo-projectos de salvação da Humanidade. Que grande ironia! Que tremenda hipocrisia dos espíritos insanos!
A Guerra é o chamamento sem fim das mentes desejosas de expulsar a agressividade, durante anos contida, a violência, sempre reprimida, recalcada pelo convencional, pelo instituído, pelo “politicamente correcto”, nem sempre com fundamento válido visível.
Como queria ser Deus, Todo-Poderoso, o Deus que tudo pode, para aniquilar essa face negra do coração dos homens.

Isabel Rosete

2012


Estreia: 12 de Novembro, 2009
Duração: 158 min.

Elenco: John Cusack, Amanda Peet, Chiwetel Ejiofor, Thandie Newton, Oliver Platt, Thomas McCarthy, Woody Harrelson, Danny Glover, Liam James, Morgan Lily

Realização: Roland Emmerich
Argumento: Roland Emmerich, Harald Kloser
Produção: Roland Emmerich, Harald Kloser, Larry J. Franco
Estúdios: Columbia Pictures, Centropolis Entertainment, Farewell Productions, The Mark Gordon Company
Distribuidora: Columbia TriStar Warner

Género: Ficção Científica, aventura
País: EUA, Canadá
Ano de produção: 2009

Sinopse:

Os Maias , arautos de uma das maiores civilizações, deixaram-nos o seu calendário com uma data para o fim do Mundo, que assusta, amiúde, a Humanidade, nem sempre consciente, mas sempre ex-traviada.
Os numerólogos encontraram padrões que prevêem esta catástrofe; os geólogos afirmam que a Terra se destituirá, se desmoronará, um dia!
Os cientistas, apesar de tudo, não podem negar o cataclismo de proporções épicas que se anúncia(será?),para 2012.
Uma profecia(e uma profecia é sempre uma prpfecia!, que começou com os Maias, já foi largamente discutida,desmontada e examinada, sem grandes conclusões determinativas.
Em 2012, sejamos cépticos ou não,saberemos! Já fomos avisados!
O que nos espera? Não sabemos! Porém, não precisamos de ser profetas para o antever. Afinal, somos os únicos responsáveis por quase tudo que se passa no Mundo. Até pela activação de certas catástrofes da Natureza. Ainda vamos a tempo de remediar, pelo menos,algumas?

Isabel Rosete

Capitalismo - Uma História de Amor


Capitalism: A Love History

Estreia: 26 de Novembro, 2009
Duração: 127 min.

Elenco: William Black, George W.Bush, Jimmy Carter, Baron Hill, Marcy Kaptur, Jonh McCain.

Realização: Michael Moore
Argumento: Michael Moore
Produção: Kathleen Glynn, Michael Moore
Estúdios: Overture Films, Paramount Vantage, Dog Eat Dog Films

Género: Drama
País: EUA
Ano de produção: 2009

Sinopse:

Pautado por um particular sentido de humor e por uma ousadia assaz louvável, "Capitalism: A Love Story" explora uma questão essencial para EUA e para o resto do mundo (por extensão): "Qual o preço que a América - e todos nós, americanos ou não - tem/temos de pagar por esta paixão desenfreada pelo capitalismo?"
Essa paixão parecia inocente, durante algumas décadas, embora não para todos os espíritos. Hoje,o "Sonho Americano" tornou-se num pesadelo! As ilusões terminaram, perante a instauração generalizada da crise.
Somos conduzidos por Moore, nesta "Love Story", até às casas das pessoas "normais", cujas vidas se voltaram completamente do avesso. Procuram-se explicações em Washington... Mas elas, na verdade e se existem, não são propriamente "claramente vistas".
"Descobrem-se", tão-só, os sintomas comuns de uma história de amor que se inverteu, perante o desequilíbrio económico total. Mentiras, abusos, traição… e 14,000 empregos perdidos todos os dias.
O desemprego! Pois, o desemprego! Um dos grandes câncros dos Tempos Modernos!

Isabel Rosete

"A Saga Twilight Lua Nova"


The Twilight Saga: New Moon

Estreia: 26 de Novembro, 2009
Duração: 130 min.

Elenco: Kristen Stewart, Christina Jastrzembska, Robert Pattinson, Billy Burke, Anna Kendrick, Michael Welch, Justin Chon, Christian Serratos, Taylor Lautner, Ashley Greene, Jackson Rathbone, Russel Roberts, Cam Gigandet, Michael Sheen, Jamie Campbell Bower

Realização: Chris Weitz
Argumento: Melissa Rosenberg(adaptação do romance de Stephenie Meyer)
Produção: Wyck Godfrey
Estúdios: Summit Entertainment
Distribuidora: Summit Entertainment

Género: Drama, fantasia, romance
País: EUA
Ano de produção: 2009

Sinopse:

Depois de abandonada por Edward, Bella deixa de comer, de beber e até de ter vida social. Apenas volta a falar quando reencontra Jacob, o seu sol particular, tal como o define. Todavia, não sabe é que Jacob também esconde um segredo. Todos temos sempre um segredo escondido!
Inúmeras emoções são desvendadas neste maravilhoso filme de vampiros e de disputas entre vampiros, lobisomens( figuras da imaginão ou de uma realidade metafórica?)e Victoria. O realizador que se mantém fiel, depois de "Crepúsculo", conta com muitas histórias para desvendar.
O segundo filme da saga desenrola-se no âmbito desta renovada relação de Bella com Jacob. Com novos perigos, novos amigos e novos inimigos, Bella encontra-se então num dilema entre o passado e o futuro. O eterno dilema do Tempo, aqui exemplificado.


Isabel Rosete

terça-feira, 24 de novembro de 2009

John Keats - o filme

"Bright Star": Ben Whishaw as the Romantic poet John Keats and Abbie Cornish as his beloved, Fanny Brawne

Veja o filme, "Bright Star", o mais recente de Jane Campion sobre a vida e a paixão de John Keats, o poeta romântico que é mais conhecido pela sua "Ode to a Nightingale" ( 1819) .
Através do filme é possível que Keats volte a ser recitado e lido por todos.

O New York Times dá-lhe nota bem positiva.

Lembram-se que Scott Fitzgerald foi buscar a essa "Ode" o título de um dos seus livros mais famosos?


«Tender is the night,
And haply the Queen-Moon is on her throne,
Cluster’d around by all her starry Fays;
But here there is no light,
Save what from heaven is with the breezes blown
Through verdurous glooms and winding mossy ways»

Isabel Rosete - pesquisa e divulgação

quinta-feira, 21 de maio de 2009



"Longínquo / Uzak - Almas desesperadas"

“Às vezes tenho medo de construir estas paredes. Eu com a picareta e o cimento. E você, com o seu silêncio. Uma vala tão funda que te empurra para um longo esquecimento…” VENTURA em JUVENTUDE EM MARCHA (2006) dir: Pedro Costa

O filme "O Silêncio", de Ingmar Bergman, foi o responsável pelos caminhos do cinema do turco Nure Bilge Ceylan. O engenheiro de formação e ex-fotógrafo já havia se encantado com a autobiografia de Roman Polanski, mas quando, aos 16 anos, assistiu ao filme do diretor sueco, viu que a sétima arte não era só diversão e isso o fez estudar cinema na Universidade Minor Sinai, em Istambul. O admirador de Ozu e Wim Wenders dirigiu Kasaba, seu primeiro longa, em 1997.

Assim como John Cassavettes e Robert Guédiguian, Ceylan trabalha sempre com o mesmo elenco, que é composto, na maioria das vezes, de seus familiares e amigos. Ele diz que prefere filmar seres humanos a atores. Sua filmografia alimenta-se de Antonioni, Angelopoulos e Tarkovsky.

"Longínquo"("Uzak"), filme de 2002, mostra o convívio de um fotógrafo divorciado com o primo que veio do interior procurar trabalho em Istambul, e que ele recebe a contragosto. O diretor vai vasculhar o interior dos personagens através das imagens. Os poucos diálogos são corriqueiros e banais. Segundo Ceylan “a maioria das pessoas mente ”. A verdade estaria naquilo que não é dito, mas captado nas expressões dos rostos e corpos. Sua câmera penetra os personagens e é assim que os expõe. O diretor quase não usa grandes planos. “ Mais do que escolhas técnicas, são escolhas morais ” - ele justifica. Prefere não alimentar a passividade do espectador.

Logo no primeiro plano, aberto e fixo, ficam claros os alicerces estéticos do filme. O essencial virá dos movimentos de câmera e enquadramentos rigorosamente planejados. Provavelmente Ceylan partilha do pensamento do diretor iraniano Abbas Kiarostami de que ao enquadrarmos um objeto, ele imediatamente ganha um valor adicional.

O fotógrafo Mahmut (Muzaffer Özdemir) vive sozinho em seu apartamento. Faz suas refeições, realiza suas experiências fotográficas, assiste televisão, tudo absolutamente só. Seu primo Yusuf (Emin Toprak), desempregado, chega do campo e instala-se em sua casa enquanto tenta arrumar trabalho. A solidão parece não incomodar Mahmut. Ele tem seus hábitos e está acostumado a não interagir com ninguém. Yusuf, diferentemente, quer se comunicar. Perambula pelas ruas atrás de emprego, mas também de companhia. Ele observa as pessoas, principalmente as mulheres. Também está só, mas quer contato.

O inverno inclemente em Istambul parece dificultar mais ainda a aproximação com as pessoas. A neve cobre as árvores, os edifícios, os carros, os bancos de praça. A escolha em ambientar o filme nessa estação do ano não é aleatória. O tempo invernoso funciona como correlativo dos estados da alma dos protagonistas. Assim como o turco Ceylan, o diretor francês Alain Resnais também situou seu filme Medos Privados em Lugares Públicos (Coeurs) de 2006 num rigoroso inverno em Paris. As mal sucedidas tentativas de seis pessoas em busca do amor são ainda mais tristes e melancólicas debaixo do frio penetrante que invade os lares e o espírito dos personagens. Em Uzak, as relações não são diferentes. Mesmo ao demonstrar simpatia e boa vontade, Yusuf esbarra na intolerância e introspecção de Mahmut. Ele passa os dias meditativo, ou sentado sozinho num café. Em casa, entre um filme de Tarkovsky e algum pornô, implica com os pequenos desleixos do primo provinciano.
Irrita-se com o cheiro de seus sapatos, de seu cigarro e até com suas demonstrações de afeto. Yusuf continua sua empreitada em busca de trabalho. Quer ser marinheiro, o que para ele significa dinheiro e liberdade. O primo questiona sua escolha, mas ele contesta: “ Eles vêem o mundo. Você já esteve em toda parte. Por que não eu?”. Além disso, precisa socorrer a família que passa por dificuldades financeiras. A fábrica em que trabalhava fechou. Não tem mais opção no interior e voltar está fora de cogitação. No entanto, começa a constatar que na cidade grande as chances não são melhores, e conta ainda com a hostilidade de Mahmut.

O clima gelado e invernal visto pela janela é o mesmo dentro do apartamento. Os primos apenas coabitam o mesmo espaço. Não partilham nada. Um é exatamente o oposto do outro. Mahmut acompanha a mãe no hospital e em casa apenas por dever. Não demonstra envolvimento algum. Yusuf, ao contrário, preocupa-se com a dor de dente da sua mãe, e se enfurece ao saber que ela não pode ser tratada por falta de dinheiro.

A relação com mulheres reais não faz parte da vida do fotógrafo e quando ela se dá é desastrosa. Seu último elo afetivo, a ex mulher Nazan (Zuhal Gencer), partiu de Istambul.

Yusuf, por sua vez, procura a efervescência das ruas, quer integrar-se, mas não consegue. Acaba por ficar tão à margem quanto na casa do Mahmut.

A certa altura, Mahmut percebe a situação difícil do primo e, num laivo de compaixão, ou talvez somente por praticidade, convida-o para auxiliá-lo numa sessão de fotografia mediante remuneração. Logo fica evidente o fracasso da iniciativa. Mahmut não tem nada a oferecer, é de uma aridez interior impressionante, é custoso para ele acolher o primo. O convívio dos dois fica cada vez mais difícil, habitam mundos muito distantes. Mahmut está carregado de desilusão e é uma presença pesada até para seus amigos. Numa cena em que estão reunidos, um deles, provavelmente fotógrafo também, provoca Mahmut: “ Já esqueceu a nossa escalada ao topo do Rehcko para conseguir um bom plano do Vale Branco? Você costumava dizer que depois faria filmes como os de Tarkovsky. Como pode por uma cruz sobre seu passado?” Fica evidente que Mahmut vive uma profunda crise existencial, que em algum momento, no meio do caminho, desistiu de seus sonhos. Yusuf, por sua vez, ainda luta. Enquanto para um o tempo urge, o outro só quer prolongá-lo.

A tensão entre os dois aumenta quando Mahmut dá falta de um relógio e fica claro que ele desconfia de Yusuf. Mesmo depois de encontrar o objeto, não conta ao primo, deixando-o desconfortável e constrangido. Finalmente Yusuf não suporta mais a atmosfera pesada em que estão mergulhados e deixa a casa de Mahmut. Mesmo sem grandes discussões ou confrontos, ambos experimentavam o desespero diariamente e já não se toleravam mais.

O diretor conseguiu extrair uma interpretação excepcional dos protagonistas, destituída de excessos dramáticos, baseada na concentração. As encenações, embora econômicas, nos levam a enxergar com clareza e precisão a extrema clausura em que vivem os personagens, confinados em frustrações e desilusões que impossibilitam qualquer diálogo e troca entre eles.

Mahmut está só novamente. Nunca deixou de estar. Uma solidão bem-vinda, conveniente. Sua companhia é o som das ondas do mar, dos pássaros e do vento. O resto é silêncio. Silêncio que eleva o cinema de Nure Bilge Ceylan a um alto nível de expressão e comunicação artística e nos conduz, nós, espectadores, à reflexão e ao pensamento.

Isabel Rosete
(investigação, adaptação e divulgação)

Para mais informações: "Centro de Estudos Claudio Ulpiano"



"71 Fragmentos de uma cronologia do acaso – Notícias de uma guerra particular"

“O que parece tão horroroso, tão incompreensível de longe, simplesmente acontece. Quieta e naturalmente. Então, a pessoa deve ficar continuamente em guarda. Foi o que aprendi.”
MATHIEU CARRIÈRE em O JOVEM TORLESS / DER JUNGE TÖRLESS (1966) dir: Volker Schlöndorff


“Falamos muito e não comunicamos nada.” Assim o diretor Michael Haneke se refere ao ser humano e a qualquer núcleo onde ele está presente. Não por acaso seu cinema aborda a falta de comunicação, a violência e o isolamento do homem moderno.

"O Sétimo Continente" /"Der Siebente Kontinent" (1989), "O Vídeo de Benny"/"Benny's Video" (1992) e 71 "Fragmentos de Uma Cronologia do Acaso" /"71 Fragmente einer of a Cronology des Zufalls" (1994), formam a trilogia da incomunicabilidade do diretor e roteirista que nasceu na Alemanha em 1942 e tem cidadania austríaca. Haneke estudou Filosofia, Psicologia e Teatro em Viena, e além de fazer filmes, já encenou várias peças teatrais pela Europa.

Para o diretor, a maioria dos filmes, em particular os pertencentes ao mainstream, mostra de maneira muito ostensiva, ou melhor, por demais explicitadas, as questões da falta de comunicação, da solidão e, em especial, da violência. Segundo ele, a violência é um prato cheio para o cinema comercial; ela é usada para empanturrar o público, encher seus olhos e, conseqüentemente, satisfazê-lo. Quem conhece a filmografia de Haneke pode estranhar essa colocação, pois ele compõe personagens impregnados de grande violência, capazes de gestos e atitudes de uma brutalidade impressionante. Nos seus filmes, no entanto, desconhecemos a gênese desta violência, não identificamos - pelo menos, não imediatamente - sua origem, o que gera inquietação e não uma sensação de empanzinamento.

Haneke considera que vemos muito pouco do todo, no cinema. Portanto, a melhor maneira de fazer o espectador enxergar é através da estrutura do filme, da forma adotada para contar a história. E, para ele, “a fragmentação é a única maneira de abordar um tema com sinceridade ”. Em "71 Fragmentos de Uma Cronologia do Acaso" o diretor opta inteiramente pelo fracionamento das histórias.

Logo no início do filme ficamos sabendo que, na véspera do Natal de 1993, Max, um estudante de 19 anos, matou três pessoas numa agencia bancária em Viena e depois se suicidou com um tiro na cabeça.

Na primeira cena vemos imagens de um telejornal relatando conflitos entre os EUA e a Somália. (Corte) Um menino atravessa um rio, caminha pelo mato, chega à beira de uma estrada, entra num caminhão sem ser visto e viaja por uma auto-estrada. (Corte)

Um jovem realiza um arrombamento, rouba várias armas e as coloca numa bolsa de plástico. (Corte) Um homem levanta de manhã cedo, encontra a mulher cuidando da filha recém-nascida que está com febre alta. Ele sai para o trabalho e a mulher chora. (Corte) O mesmo menino que entrou no caminhão já está nas ruas e come alguma coisa que retirou da lixeira. Algumas pessoas o olham de dentro de um carro. Ele segue seu caminho. (Corte) Dois estudantes estão em seu quarto e um deles tenta montar um quebra-cabeça. Não consegue. O outro realiza a tarefa e lhe cobra uma aposta. (Corte)

Um casal visita um orfanato e tenta sem muito sucesso fazer contato com a menina que querem adotar. (Corte) Num banco, o pai da recém-nascida, que é segurança de um carro-forte, faz a entrega. Uma funcionária do banco assina o protocolo de entrega da carga. Ela volta para atender o público, inclusive seu pai que está na fila e quer conversar. Ela o despacha. Está trabalhando, preocupada com a transação que está sendo feita. Vê um colega de trabalho ao telefone fazendo o sinal da cruz. (Corte)

O menino clandestino observa um pai que brinca com seus filhos e o cachorro num parque. O pai deixa seu casaco vermelho no banco para poder jogar bola. (Corte)

Ao ver o tumulto no corredor de seu prédio, Max, um dos estudantes, deixa seu apartamento, entra num outro vazio, chega à janela e olha para baixo. Desce e, embaixo do prédio, olha para cima, em direção da mesma janela onde estava, e depois para rua, onde se vê o desenho de um corpo feito a giz. (Corte) Um velho, pai da bancária, em seu apartamento, prepara sua refeição, sozinho, ao som da televisão. (Corte)

O jovem clandestino vaga pelas ruas vestido com o casaco vermelho. Rouba uma revista do Pato Donald. (Corte). Sentado no chão, lê a revista numa enorme área interna do metrô. (Corte) Um homem joga pingue-pongue compulsivamente contra uma máquina. (Corte)

O filme segue com várias pequenas seqüências das vidas desses personagens, obedecendo sempre a uma mesma estrutura. Cada fragmento tem a duração aproximada de um a três minutos. As cenas são interrompidas, ou melhor, finalizadas com cortes secos, e entre algumas são inseridas notícias do mundo através dos telejornais. Os programas noticiam os últimos atentados do IRA, uma greve dos funcionários da Air France, conflitos entre o Hezbollah e israelenses e entre sérvios e croatas, Michael Jackson acusado de abuso de menores, entrevista com um menino de Bucareste, que vive clandestinamente em Viena.

No mundo real, através dos telejornais, testemunhamos a tragédia, a infâmia e a violência que há pelo mundo afora. Na ficção, acompanhamos fatos prosaicos e corriqueiros de pessoas comuns. No entanto, aos poucos, esses fatos cotidianos, aparentemente inofensivos, começam a gerar uma sensação perturbadora. Quando as notícias dos jornais são introduzidas temos a impressão de que aquelas cenas rotineiras, comuns ao dia-a-dia de qualquer um de nós, contém uma violência latente e tão nefasta e trágica quanto à anunciada pela televisão. O velho pai fala com a filha ao telefone, a menina órfã vai para a casa dos futuros pais, o estudante liga para a mãe, o casal, pais da recém-nascida, jantam juntos. Não há calor nessas cenas, apenas uma incomunicabilidade inexplicável. Elas ilustram perfeitamente outra frase de Haneke: “ Quanto mais próximos, menos nos comunicamos”. O diretor não está preocupado em mostrar a origem das tensões e da violência oculta. O filme simplesmente produz reações e sentimentos no público, e o faz eminentemente pelo modo como constrói a narrativa. Em entrevista sobre o filme, Haneke disse: “ Com a soma dos fragmentos o espectador tem a possibilidade de eleger, de trabalhar com sua própria experiência.” Ele quer extrair uma reflexão própria de cada espectador e não apresentar motivos pro que quer que seja.

Quando o filme termina, as perguntas estão sem respostas, e nosso estado é de total desamparo e perplexidade. Alguém já disse que um bom filme começa quando acaba. A respeito do belo final de Ladrões de Bicicleta, o cineasta Gianni Amelio declarou que no momento em que o menino Bruno dá a mão ao pai, aquela cena faz nascer no espectador um novo filme. Quando 71 Fragmentos... termina, talvez um novo filme também esteja começando para cada espectador. Um filme feito com os meus, os seus, os nossos cacos.

Isabel Rosete
(investigação, adaptação e divulgação)

Para mais informações: "Centro de Estudos Claudio Ulpiano"


"Assim Estava Escrito" – Linhas e entrelinhas de Hollywood

"Os filmes não criam psicopatas. Eles só tornam os psicopatas mais criativos."SKEET ULRICH em PÂNICO / SCREAM (1996)
dir: Wes Craven

«Vincent Minnelli amava e odiava Hollywood. Ele não foi um dos rebeldes como Erich Von Stroheim. Adaptou-se ao sistema e à disciplina dos estúdios, e conseguiu desabrochar como cineasta. Os inúmeros musicais que dirigiu, como Gigi, A Roda da Fortuna e outros, alcançaram um sucesso estrondoso. Seu nome era associado à eficiência e ao bom gosto, mas nem por isso poupou a poderosa indústria. Tudo de bom e de ruim que gira em torno de uma realização cinematográfica foi colocado em Assim Estava Escrito (The Bad and the Beautiful), filme dirigido por ele em 1952. Está tudo lá, ambição desmedida, luta pelo poder, traição e também sonho, determinação e a busca implacável pelo filme perfeito. Naquela época, bem, e ainda hoje, o filme perfeito é o que dá lucro. Harry Pebbel (Walter Pidgeon), como um calculista chefe de estúdio, diz, sem papas na língua: “ Eu já lhe disse cem vezes, não quero ganhar prêmios. Dê-me filmes que terminem com um beijo e um saldo positivo no livro-caixa.”

Assim Estava Escrito vai muito além da intenção do título original, literalmente, O Mau e a Bela, que sugere o relacionamento do inescrupuloso produtor interpretado por Kirk Douglas e a linda e atormentada atriz vivida por Lana Turner. Afinal, não seriam a maldade e beleza a dicotomia de Hollywood?

Tudo começa assim, era uma vez uma atriz, Georgia Lorrison (Lana Turner), um diretor, Fred Amiel (Barry Sullivan), e um escritor, James Lee (Dick Powell) que são traídos pelo produtor Jonathan Shields (Kirk Douglas).

Jonathan é um apaixonado pelo cinema e toda a engrenagem que envolve a feitura de um filme. Seu personagem define assim esse sentimento: “ Para mim, fazer um filme é como cortejar uma garota: você a vê, a deseja, vai atrás dela, há um grande momento, e no fim, fica triste. A cada filme. A tristeza pós-filme.”

Desde o início do filme, fica muito claro que esse é o grande amor de Jonathan: o cinema. Mesmo quando a linda Georgia se apaixona por ele, prefere não ficar com ela. Usa todo seu poder de persuasão e sedução, consegue tirá-la de uma vida regada a álcool e comprimidos e paralisada por uma obsessão pelo pai morto. Lança-a como atriz, mas a rejeita como mulher.

Georgia Lorrison representa muitas divas hollywoodianas. Bela e deprimida é um ídolo de papel. Num certo momento, após uma cena de filmagem, recebe uma jóia do produtor. Ao abrir a linda caixa quase podemos sentir o mesmo arrepio que lhe percorre a espinha. Ela deixa o lugar e pensa: “Estava frio no set e minha garganta ficou seca de repente... tão seca que eu sabia que precisava beber.” Essa cena é incômoda, nos faz sentir um pouco de medo. Parece ser o prenúncio de algo ruim que está por vir. Mais tarde, Georgia é rejeitada por Jonathan. Ela sai correndo, entra no carro, dirige em altíssima velocidade, e debaixo de uma chuva muito forte, chora, esbraveja, grita. Sua dor é lancinante. Nunca mais amará ninguém assim. Apesar de tudo, torna-se uma estrela.

Jonathan não tem limites. Fará tudo para alcançar suas metas. Começa sua carreira produzindo com Fred - um aspirante a diretor - um filme B, A Maldição dos Homens Gatos. Com o passar do tempo, depois de muita batalha, consegue entrar numa produção de qualidade, com um grande diretor, mas não sem antes apunhalar pelas costas o antigo companheiro. O projeto desenvolvido por Fred, com a colaboração dele é aceito por Harry, chefe de estúdio. Fred, aflito e apreensivo, aguarda a decisão fora da sala. Ao sair, Jonathan comunica a aprovação do filme, porém com outro diretor. Sua fala é objetiva e cruel: “Fred, prefiro magoar você agora a liquidar você para sempre. Você simplesmente não está pronto para dirigir um filme de um milhão de dólares.” Fred retruca: “ Mas você está pronto para produzir um filme de um milhão de dólares.” Em close, Jonathan responde: “ Com von Ellstein, estou.” A expressão de Fred ao sofrer o golpe baixo é inesquecível. Mas ele não desiste e, longe de Jonathan, se transforma em um grande diretor.

James Lee é o escritor que esnoba Hollywood. Mesmo a contragosto cede ao convite de Jonathan para escrever um roteiro. Jonathan o despreocupa e diz-lhe: “ Parceiros que se odeiam fazem os melhores filmes.” Mas para isso precisará de James Lee uma concentração e empenho que ele não tem. Rosemary (Gloria Grahame) sua esposa doce, provinciana e falastrona é um dos motivos. Através de várias artimanhas Jonathan consegue afastá-la. No entanto ela sofre um acidente fatal nesse período. Jim fica inconsolável, mas o produtor o faz mergulhar no trabalho e consegue mais uma vez atingir seu objetivo. Porém, seu plano para tirar Rosemary do caminho é descoberto por James e eles se tornam inimigos. O roteiro brilhante foi escrito a duas mãos. No entanto, durante sua concepção, seguimos o trabalho da dupla e as intervenções de Jonathan são uma clara demonstração do domínio absoluto do processo de criação e execução de um filme que o produtor detém. A certa altura, travam um diálogo emblemático. Como roteirista James Lee defende seu ponto de vista “O menino está partindo. Provavelmente morrerá! Por isso quando a mãe fala...” E Jonathan o interrompe “ Ela não fala. Damos um close nela. Ela abre a boca, mas não consegue falar. É emoção demais. Deixaremos que o público imagine o que ela sente. Acredite, Jim, imaginarão algo melhor do que qualquer coisa que escrevamos.”

Assim Estava Escrito é um drama ácido mesmo assim possui zonas de conforto. Algumas cenas lembram aqueles filmes ingênuos de sessão da tarde. Quando James Lee trabalha recostado em sua cadeira de estimação e fuma seu cachimbo com prazer, temos a sensação de que tudo corre bem. Quando Rosemary aparece para lhe mostrar seu casaco de pele novo, essa impressão é reforçada. A cena parece ilustrar a tese do diretor Von Ellstein (Ivan Triesault): “ Um filme feito só de clímax é como um colar sem cordão, se despedaça todo.” E logo percebemos, ou melhor, sabemos que aquela tranqüilidade é totalmente aparente.

Martin Scorsese adora esse filme. Segundo ele, o personagem interpretado por Kirk Douglas, foi baseado em produtores verdadeiros, entre eles David O. Selznick. Selznick começou no cinema em 1923 e produziu dezenas de filmes. Fez vários amigos e parceiros, mas angariou muitos desafetos, entre eles Hitchcock, com quem trabalhou em Quando Fala o Coração. Era arrogante e controlador. Mas como considerar tudo isso quando, sentados no escuro de uma sala de cinema, entre os créditos, vemos na tela DAVID O. SELZNICK APRESENTA, o que vem em seguida é E o Vento Levou, ou, Duelo ao Sol, ou, O Terceiro Homem, ou ainda, Nasce uma Estrela. É quase impossível odiá-lo. O mesmo acontece no final de Assim Estava Escrito. Passam-se alguns anos. Fred, Georgia e James Lee recusam uma proposta de Jonathan para trabalharem juntos outra vez. Como seu intermediário, Harry lhe reporta a resposta. Acompanhamos os três retirando-se do escritório, mas não resistem e ouvem a conversa dos outros dois pela extensão do telefone. Pouco a pouco, as expressões vão se modificando e testemunhamos, com uma dose de cumplicidade, o despertar de interesses comuns e, quem sabe, o surgimento de um novo filme, um novo grande filme. THE END.»

Ficha técnica: "ASSIM ESTAVA ESCRITO", "THE BAD AND THE BEAUTIFUL",1952
Direção: Vincent Minnelli
Com: Kirk Douglas, Lana Turner, Walter Pidgeon, Dick Powell

Isabel Rosete
(investigação, adapotação e divulgação)

Para mais informações: "Centro de Estudos Claudio Ulpiano"


“O NEVOEIRO”

"O povo sai correndo atrás do primeiro que lhe acena com uma espada ou uma cruz."

Um homem trabalha, tranquilamente, no seu estúdio doméstico. Sobre um cavalete, mostra-se um personagem do filme que está esboçando. Lá fora é noite. Uma forte tempestade se inicia. Falta a energia. Tudo escurece.
A sua mulher e o seu filho de 8 anos, vão ao seu encontro, amedrontados. Ouvem-se, sentem-se, vêem-se… raios, trovões, uma chuva monumentalmente torrencial e o balanço feroz de uma gigantesca árvore. Paulatinamente, a câmara sai deste cenário e entra na casa.
Os três, ali estão, mudos, de olhos esbugalhados, de costas uns para os outros e, sem mais, estáticos, olham pela janela. Decorrendo sem diálogo, esta cena imediatamente nos diz que algo de terrível vai acontecer. Eis o início do filme "O Nevoeiro" ("The Mist"), de Frank Darabont (2007), baseado num conto de Stephen King.
O cineasta afirma-se como um antigo admirador do escritor, considerado o mestre do "terror moderno". A parceria começou em 1983, quando Darabont, apenas com 24 anos, dirigiu a elogiada curta-metragem, "The Woman In The Room". Durante 30 minutos, um homem assiste à agonia e à morte da sua mãe. A história é baseada na experiência do próprio Stephen King.
Em 1994, dirigiu e adaptou para o cinema uma outra curta história, "Rita Hayworth and Shawshank Redemption", a qual se tornou na longa-metragem, "Um Sonho de Liberdade" (“Shawshank Redemption”), brilhantemente interpretada por Tim Robbins e Morgan Freeman.
Em 1999, Frank Darabont, voltou a filmar mais uma narrativa de King, “Á Espera de Um Milagre" ("Green Mile"), protagonizada por Tom Hanks. Com mais adaptações igualmente bem sucedidas por outros realizadores – “Carrie, A Estranha" (1976), "O Iluminado" (1980), "A Hora da Zona Morta" (1983) – Stephen King aventurou-se a dirigir aquele que seria seu único filme, "Comboio do Terror" ("Maximum Overdrive"), de 1985. Logo viu que não era Brian de Palma, nem Stanley Kubrick.
O conto "O Nevoeiro" faz parte do livro "Tripulação de Esqueletos", escrito por King, em 1985. Há anos que Frank Darabont acalentava o sonho de o adaptar para o cinema. Quiçá transformar esta obra num extraordinário filme. Stephen King, de bom grado, garantiu-lhe os direitos: “Nós dois combinamos. Somos como chocolate e pasta de amendoim”.
Graças a associações acertadas, apesar do prazo curto e do baixo orçamento, Darabont consegue fazer o filme, que adquire características de terror B, embora muito bem realizado. O realizador é assumidamente apaixonado pelo género.
Como na grande maioria dos filmes de terror, as criaturas monstruosas, criadas em computador ao livre correr da imaginação do seu autor, também estão presentes. Os efeitos especiais apenas têm como objectivo integrar os monstros na cena, meros bonecos que interagem com os actores e, de um modo mais indirecto com os espectadores: trabalhando com uma câmara ora frenética e claustrofóbica, ora observadora e mais calma, o realizador consegue, de facto, colocar o público dentro da cena.
Esta obra possui todos os clichés de um filme de terror clássico, incluindo os sustos previsíveis, as conspirações secretas e os personagens estereotipados: o céptico arrogante, a fanática religiosa, a velhinha sábia e esperta, o falso valentão e, obviamente, o herói bom e corajoso, moldados, envolvidos, ou até mesmo atormentados com o comportamento desse pequeno microcosmos pressionado pelo medo. Não é em vão que King fala sobre o seu trabalho deste modo: “Interesso-me por pessoas boas em situações nocivas, por pessoas comuns em situações extraordinárias.”
O que ocorrerá a seguir é, exactamente, o desenvolvimento dessa ideia: depois da violenta tempestade, a pequena localidade no Maine está devastada. O ilustrador David Drayton (Thomas Jane) e o filho Bill (Nathan Gamble) vão a um mercado para comprar suplementos. Porém, um estranho nevoeiro toma conta da cidade e de ambos, conjuntamente com um grupo de pessoas que ficam presos no mercado. No seu exterior, há uma movimentação atípica de carros de bombeiros e de viaturas policiais.
A tensão está no ar. Repentinamente, todas as atenções se voltam para um homem idoso, Dan (Jeffrey De Munn), um habitante local que chega aos gritos: “Há uma coisa no nevoeiro. Uma coisa no nevoeiro apanhou John Lee!” A partir deste momento, assistimos a um caos crescente: aranhas gigantes, polvos assassinos e insectos assustadores tentam atacar todos os presentes, dentro e fora do mercado, capturá-los, devorá-los.
Todos permanecem encurralados no mercado. As hipóteses de fuga são cada vez menores. Não há saída possível. E o medo cresce dentro de cada um, de um modo cada vez mais intenso, completamente aterrador. Um estado de pavor e de pressão gigantesca apodera-se de todos. Começam a desmoronar, lentamente. Tudo desaba, sem nada poderem fazer. É a clarificação da impotência do humano, face às forças que lhe são superiores; a exemplificação da sua infinitude, pré-determinada, seja lá por aquilo que for, ou, se preferirmos, da sua insignificância que mostra quanto a arrogância não tem qualquer espécie de sentido.
O diálogo entre Amanda (Laurie Holden) e David (Thomas Jane) é o prenúncio do que vai acontecer: “As pessoas são, de um modo geral, boas e decentes. Meu Deus, David, somos uma sociedade civilizada", afirma ela. "Isso enquanto tudo funciona e tu podes chamar a polícia. Mas se as colocares no escuro, deixando-as assustadas, sem regras, surpreender-te-ás aos verificares o quão selvagens se podem tornar”, responde ele.
Dentro do mercado a situação é, cada vez mais, insustentável. Conflitos pessoais entram em cena pela parte de uns, juntamente com a arrogância e a ignorância de outros, sem contar com o oportunismo da religiosa fanática Mrs. Carmody (Marcia Gay Harden), que monopoliza metade dos presentes, convencendo-os de que se trata de um castigo divino, do juízo final. E essa pequena comunidade, que se formou involuntariamente no seio de uma certa histeria colectiva inconsciente, vai-se conformando, anómala. A cada momento decorrem cenas de uma verdadeira barbárie, culminando, amiúde, com o sacrifício humano e a execução sumária.
O surgimento de feras humanas não é novidade no cinema. Todos o sabemos. Desde "De Dogville", dirigido por Lars von Trier, a o "Ensaio Sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles, constatamos que os seres humanos, ditos civilizados e, até mesmo, generosas, rapidamente se transformam em outros de si mesmos defronte do estranho e do desconhecido.
A vida em comunidade, onde parecia haver equilíbrio e bom senso, torna-se fadada ao insucesso absoluto, ao menor sinal do inusitado. O que dizer, então, quando se está diante do perigo? É inevitável, é histórico, é humano. Em "O Nevoeiro"a situação é similar. Repete-se, como em todas as circunstâncias do género, sempre que o horror se instala, irremediavelmente.
A fala do funcionário Ollie (Toby Jones) é assustadoramente lúcida: “Como espécie, somos basicamente loucos. Junte mais de dois de nós num quarto, escolheremos um lado e inventaremos razões para nos matar uns aos outros. Porque acha que inventámos a política e a religião?”.
O desenlace é absolutamente desesperador. Como que por encanto, um abominável monstro, que se aproximava, ameaçadoramente, do carro onde se detinha David, o filho e três companheiros de fuga, desaparece. O nevoeiro dissipa-se. Finalmente, somos capazes de ver centenas de pessoas a salvo em carros do exército.
David é o único sobrevivente do seu grupo. Pouco antes, tinha matado todos os outros, incluindo o seu filho mais novo. Assim pensou proteger todos eles da terrível morte nas garras dos monstros. Quando o filme termina, os momentos de terror e escuridão de David estão apenas no seu início!
“A civilização é um verniz muito fino e pode rachar na presença do medo.” Esta declaração de Frank Darabont, convictamente assumida, ecoa de modo atemorizador nos nossos espíritos. Sabemos que jamais é necessário o ataque de um monstro qualquer para que a Humanidade perca o rumo, para que se extravie completamente, ou adquira um olhar nublado e, pouco a pouco, se torne, claramente, cega.

Ficha técnica: "O NEVOEIRO" ("THE MIST"), 2007.
Dir: Frank Darabont.
Com Thomas Jane, Toby Jones e Márcia Gay Harden, nos principais papeis.

Para mais informações: "Centro de Estudos Upianos"

Isabel Rosete
(investigação, adaptação e divulgação)
«Tomamos as palavras de Gilles Deleuze em uma entrevista para o jornal Libération (3/10/1983), época em que foi publicado seu primeiro livro sobre filosofia e cinema - A Imagem Movimento -, como inspiração para iniciar Filosofia e Cinema.

Por que tantas pessoas escrevem sobre o cinema? Esta é uma pergunta tão importante para você quanto para mim. Acho que é porque o cinema comporta muitas ideias. O que chamo de Ideias, são imagens que dão o que pensar. A natureza das imagens varia de uma arte para outra, e é inseparável das técnicas: cores e linhas para pintura, sons para a música, descrições verbais para o romance, imagens-movimento para o cinema, etc. E, em cada caso, os pensamentos não estão separados das imagens, são totalmente imanentes às imagens. Não há pensamentos abstratos que se realizariam indiferentemente nesta ou naquela imagem, mas pensamentos concretos que só existem através de tais imagens e de seus meios. Resgatar as ideias cinematográficas é, portanto, extrair pensamentos sem os abstrair, tomando-os em sua relação interior com as imagens-movimento. É por esta razão que escrevemos ‘sobre' cinema. Neste sentido, os grandes autores do cinema são pensadores tanto quanto os pintores, os músicos, os romancistas ou os filósofos (a filosofia não tem qualquer privilégio)".» (in "Centro de Estudos Claudio Upiano: http://www.claudioulpiano.org.br/cinema.html

Isabel Rosete (investigação e divulgação)

Quentin Tarantino apresenta "Sacanas Sem Lei"


No primeiro ano da ocupação de França pelos alemães, Shosanna Dreyfus (Melanie Laurent) testemunha a execução da sua família pela mão do Coronel Nazi Hans Landa (Christoph Waltz). Shosanna escapa por pouco, fugindo para Paris onde falsifica uma nova identidade como proprietária e operadora de um cinema.

Noutro local da Europa, o Tenente Aldo Raine (Brad Pitt) organiza um grupo de judeus americanos, soldados, para executar investidas rápidas e chocantes de retribuição. Conhecidos pelos seus inimigos como "os sacanas", o bando de Raine une-se à actriz e agente infiltrada alemã Bridget von Hammersmark (Diane Kruger) numa missão para destruir os lideres do Terceiro Reich. O destino de todos eles converge sob um letreiro de cinema, onde Shosanna está determinada em criar o seu próprio plano de vingança....

"SACANAS SEM LEI", de Quentin Tarantino, num cruzamento de histórias infames, oprimidas, reais e maiores que a própria vida durante a II Guerra Mundial.

NOS CINEMAS 27 DE AGOSTO

Isabel Rosete (investigação, adaptação e divulgação)

quarta-feira, 20 de maio de 2009



Clooney assassino em "A Very Private Gentleman"

George Clooney protagonizará um assassino no novo filme de Anton Corbijn,adaptado a partir do romance de Martin Booth.

A produtora Focus Features junta George Clooney a Anton Corbijn (Control) na adaptação ao cinema de "A Very Private Gentleman", a partir do romance de Martin Booth.
Clooney desempenhará o papel de Clark, um assassino, que se muda para o sul de Itália fingindo ser um artista que pinta miniaturas de borboletas. As suas tendências anti-sociais vão sendo ultrapassadas e este começa a estabelecer relações cordiais com os habitantes locais, incluindo uma prostituta e um padre.
No entanto, tudo se complica quando Clark percebe que alguém o está a perseguir. O argumento está a ser escrito por Rowan Joffe (28 Weeks Later) e deverá ser rodado em Itália durante o Outono.

Isabel Rosete (investigação e divulgação)

A guerra dos “cotonetes” no cinema em “American Gladiators”


Que história poderá dar um programa de televisão em que há homens a debaterem-se recorrendo a “cotonetes” gigantes? Ainda não sabemos bem, mas a verdade é que o “American Gladiators”, na televisão desde 1988, vai finalmente ter uma versão cinematográfica.

É esta a intenção de Johnny Ferraro, o criador do programa, que já fechou contrato com a Legendary Pictures. É irreversível, 20 anos depois e transmitido em 90 países, Johnny Ferraro vai remeter "American Gladiators" para o formato que inicialmente tinha pensado.
Foi para o ar pela primeira vez em 1988 e tem-se mantido na televisão nos últimos 20 anos, sendo transmitido em mais de 90 países, e o formato adaptado em 14 países.
O criador do programa de televisão “American Gladiators”, Johnny Ferraro, anunciou que pretende fazer uma adaptação aos cinemas. A sua intenção na altura em que surgiu a ideia do programa era que fosse um filme, mas este acabou por se tornar num fenómeno de televisão e Ferraro deixou-se levar.
“American Gladiators” foi para o ar pela primeira vez em 1988 e tem-se mantido na televisão nos últimos 20 anos, sendo transmitido em mais de 90 países, e o formato adaptado em 14.
Scott Mednick, produtor de “300”, “O Regresso de Super Homem”, entre outros filmes de renome, será o produtor deste “American Gladiators” musculado.

Isabel Rosete (investigação e divulgação)

Adaptação de Shakespeare com novo casting

Coriolanus será a estreia de Ralph Fiennes enquanto realizador, num filme em que também será protagonista. Ao seu lado contará com um elenco de luxo, feito de grandes nomes do cinema.

Ralph Fiennes prepara-se para se estrear na realização com a adaptação de Coriolanus, uma peça de Shakespeare. Vanessa Redgrave, William Hurt e Jessica Chastain são três dos nomes avançados para se juntarem a Fiennes.
O argumento, que está a ser escrito por John Logan (Sweeney Todd), conta a história de um general romano que se vê envolvido, simultaneamente, numa intriga em nome da República e numa intriga contra a República por se recusar a reconhecer o papel dos plebeus no Estado.
Fiennes acumulará as funções de protagonista e realizador, enquanto Vanessa Redgrave deverá interpretar o papel de Volumnia, mãe de Coriolanus. William Hurt deverá interpretar o comandante Cominius ou o antagonista Aufídius, enquanto que Jessica Chastain, que conta com muita experiência no teatro, deverá ficar com o papel de esposa de Coriolanus.


Isabel Rosete (investigação e divulgação)

Novos cartazes de “The Expendables” definem a marca Stallone

The Expendables, o filme escrito, realizado e protagonizado por Sylvester Stallone lança dois novos cartazes. A caveira prateada ladeada por umas enormes asas num dos cartazes e a tatuagem que retrata a mesma caveira a servir de poiso a um corvo são um óptimo isco para os amantes dos filmes de acção a que Stallone já nos habituou.

O filme, que estreará em 2010, conta-nos uma história que não vai muito além dos desafios que 5 mercenários enfrentam para derrubar um ditador sul-americano, e pode parecer-nos simples, mas é contada com todo o “panache” visual e de caracterização que torna o filme um dos mais esperados e envolto em polémica.Recorde-se que o filme é rodado nos EUA e no Brasil – Rio de Janeiro – e tem deixado os brasileiros em polvorosa.

Isabel Rosete (investigação e divulgação)


Mais uma série de televisão adaptada ao cinema. Desta vez é "Primeval", uma série sobre dinossauros, que é levada ao grande ecrã pela Warner Bros.

A série de televisão Primeval, neste momento na terceira época, será adaptada ao cinema.
A Variety informa que a Warner Bros. negociou um acordo sobre a cedência dos direitos da série, apontando como produtores Akiva Goldsman e Kerry Foster. Goldsman é conhecido pelo seu trabalho com o realizador Ron Howard. Escreveu, aliás, os últimos quatro filmes de Howard incluindo o último, Anjos e Demónios.
Primeval é uma espécie de Jurassic Park na cidade. Mas enquanto em Jurassic Park os dinossauros eram levados para a cidade de barco, aqui os dinossauros aparecem vindos de um buraco temporal e são, depois, combatidos por uma equipa de cientistas e soldados.

Isabel Rosete (investigação e divulgação)

--------------------------------------------------------------------------------
Robert Zemeckis dirige Jim Carrey em “A Christmas Carol”

Robert Zemeckis, realizador de filmes de referência como Forrest Gump, Regresso ao Futuro (II e III), Polar Express e o mais recente Beowulf; lança-se novamente numa história de Natal, desta vez acompanhado por Jim Carrey.

Depois de Polar Express em 2004, em que Tom Hanks aparecia pela primeira vez em live-action, Zemeckis volta a explorar as histórias de Natal. Desta vez a história é de Charles Dickens e passa-se numa véspera de Natal em que três fantasmas visitam um velho que não acredita no espírito natalício.E Jim Carrey é Ebenezer Scrooge é um homem avarento que não gosta do Natal.
Numa véspera de Natal Scrooge recebe a visita de seu ex-sócio Jacob Marley, morto há sete anos. Marley diz que Scrooge não pode ter paz por não ter sido generoso em vida mas que há uma solução e por isso três espíritos o visitariam nessa noite.
Os três espíritos tentam mostrar a Scrooge o passado, o presente e o futuro afim de o tornar um homem mais honesto e bondoso.
Uma animação em 3D com tecnologia CGI, tão querido por Zemeckis e composto por um elenco de luxo, que para além de Carrey, conta com as presenças de Bob Hoskins, Christopher Lloyd, Robin Wright Penn, Colin Firth, Gary Oldman, Cary Elwes, Sammi Hanratty e Daryl Sabara; “A Christmas Carol” estreará em Novembro e promete ser uma agradável história de natal para toda a família.

Isabel Rosete (investigação e divulgação)
SETE ANOS NO TIBET

Por: Isabel Rosete

Um homem, Heinrich Harrer, legendário explorador, missionário no cume das mais altas montanhas que a Terra alberga, eterniza a visão mais que perfeita do Infinito, celebrando a transparência, o alvo mais puro da brancura da neve por onde o Sol espalha, limpidamente, a luminosidade dos seus raios, sem fim visível.
A luz, as nuvens, a neblina, o cinzento e, ainda, a escuridão dos espíritos alienados, mesclam-se com aquela sensibilidade divina, nua, que faz desejar a Eternidade. O aprisionamento e a alforria acompanham Harrer (Brad Pitt), assim como a necessidade da escrita, qual via privilegiada do registo memorial de todos os tempos e de todos os lugares.
A Imensidão, o Interminável, a Paz das lonjuras de uma Alma intranquila à procura da sua própria atmosfera espiritual, bem distante do vazio da fútil materialidade das mentes empobrecidas, prolonga-se por todos os espaços reais, possíveis, imaginários, virtuais... A grandeza do Mundo e a extensão ilimitada do Universo, a conquistar ad eternum, movem-se em todos os rumos e direcções, ora determinadas, ora in-distintas.
Um Olhar claro, clínico, de um azul celeste inconfundível, irrompe por entre a névoa. Um Pensamento de horizontes incomensuráveis, os Sons da Vida e da Morte, em todos os seus estados de Graça ou de (des)graça, incessantemente se erguem. A Escuta – silenciosa, atenta, profunda – dos mais ínfimos pormenores e a beleza singela e eterna das coisas-simples, sempre se manifestam na sua máxima plenitude, hoje perdida, sabe-se lá onde.
E o Amor? Tantas são as formas de Amor re-veladas nestes Sete Anos (no Tibet), símbolos, sinais, de todos os anos de todas as nossas Vidas! O Amor por si próprio, mas, não narcísico; o Amor pela Natureza, na sua diversidade magistral, onde a Identidade e a Diferença co-habitam; o Amor pela Verdade, constantemente procurada e nem sempre encontrada ou perdida; o Amor pela luta das nobres causas em que, de facto, se acredita; o Amor de um homem e de uma mulher, não mais viável, quando tais valores se erguem, imperam, multiplicam…; o Amor dos encontros e dos des-encontros de duas Culturas, tão distantes quanto próximas, entrelaçadas em choque e harmonia; o Amor pela totalidade e pela unicidade do Autêntico, onde há lugar para tudo, excepto para o que não tem, naturalmente, lugar, porque não tem sentido, porque é perverso, porque é ignóbil.
A Solidão, necessária, absolutamente necessária à meditação antecedente a toda a acção, é um marco fulcral desta meditação em andamento. O Pensar e o Fazer unem-se, incessante e umbilicalmente, de tal modo que um jamais é sem o outro. Que grande lição, para nós, homens hodiernos de meras intuições sensíveis, imediatas, irreflectidas…!
A Esperança impera ao lado do desassossego. Porém, nunca agoniza. Nem perante a maior das atrocidades, impiedades ou selvajarias, porque, afinal, a salvação ainda é possível. Aliás, é sempre possível! Rastejando, fugindo, correndo ou vagueando, é iniludível que ela está lá, algures, em parte incerta. Todavia, está lá. Este é o maior desafio. Este é o grande estímulo. Este é o motor de todas as possibilidades.
Todos os caminhos – nesta marcha que é a da própria Humidade, mesmo que concebida metaforicamente – sempre se bifurcam; todos os atalhos sempre conduzem, aos que os trilham com veemente convicção e merecida glória, às veredas autênticas da essência do humano, em devir perpétuo. E o Mundo? O Mundo, seja ele qual for – o nosso, o de todos os outros – com todos os seus vícios e virtudes, gira e avança, sem mais!
Gentes dis-persas se encontram por todos os lugares no pequeno-grande Tibet, uma das maiores Pátrias espirituais do Oriente (e, quiçá, do Ocidente). Também gentes alienadas, ex-tasiadas pelo poder que corrompe, corrói e destrói. E a Guerra, sempre a Guerra, a Intolerância, a Incompreensão, as garras do Fogo de Prometeu, na refulgência da sua destruição.
A Humanidade – a nossa humanidade ou (des)humanidade - espelha-se em toda a sua magnificência e efemeridade imutável. Similarmente, a busca incessante da Felicidade, da Identidade, da Autonomia e da Liberdade do Ser, do Estar e do Pensar, consagram Sete Anos no Tibet como o filme de todas as eras, como o filme de todas as idades.

“A PAIXÃO DE CRISTO” REVISITADA
Por: Isabel Rosete

Se atentarmos nas passagens da Bíblia em que Gibson se inspirou para realizar A Paixão de Cristo, é isso mesmo que se sente, vê, escuta e vivencia: violência, crueldade, muito sangue derramado, inocentemente.
Todos os relatos da época confirmam, sem reservas, essa atrocidade, essa des-humanidade, essa insensata histeria colectiva, movida pelo gosto da agressividade e pelo prazer do ódio.
O realizador, frisemo-lo, não enfatizou ou empolou a contextura epocal, como sustentam os espíritos menos esclarecidos. Apenas a mostrou, na sua plena autenticidade.
A humanidade é assim mesmo: bárbara, violenta, vil... Toda a História o mostra. Só que nem sempre o vemos. Nem sempre o queremos ver. Ou, simplesmente, não convém que o vejamos. É mais cómodo compactuar com o regime, mesmo que, literalmente, o abominemos.
Cristo foi tão-só mais um, entre tantos outros, mártire dessa bestialidade, insensibilidade e leviandade exacerbada dos Homens.
Cristo não convinha ao sistema instituído. Foi um revolucionário. Um verdadeiro rebelde. A sua Filosofia, obviamente contestatária. Naturalmente, teve de ser morto, como também o foi Gandhi, por razões idênticas, só para dar mais um exemplo histórico da Intolerância des-medida.
Assim é a postura de todos os regimes políticos totalitários, os de ontem, os de hoje, os de sempre! Dogmáticos, inflexíveis, intocáveis, pretensos donos da verdade absoluta, não admitem, outras verdades, outras visões do mundo, ou, apenas, uma outra ordem.
É preciso mostrar a todos os olhares dis-persos, do modo mais realista possível, o que o Mundo é na sua essência, sem pré-conceitos, sem falsos moralismos. Este Mundo – o de Cristo e o nosso – não é um mar de rosas, mas, sobretudo, uma imensidão de espinhos, camuflados por belas, cheirosas e aveludadas pétalas.
Devemos observá-lo, clara e distintamente, por detrás de todos os véus, de todas as máscaras que ludibriam as mentes ex-traviadas. Devemos pensá-lo, profundamente; analisá-lo, criticamente, com os olhos da razão, que ultrapassa a vulgaridade das opiniões comuns.
Urge não esquecer que vivemos, tal como o experienciou “O Messias”, minados pelo fingimento, pela dissimulação, pela inveja, pela violência gratuita, pela guerra, entre alguns escassos momentos de paz e de enaltecimento dos valores que efectivamente devem prevalecer no coração dos homens: a Verdade, a Honestidade, o Bem, a Solidariedade, a Tolerância, o Respeito pelas Diferenças fundamentais e pela Liberdade essencial de todos os Povos, Estados, Nações…, independentemente dos credos religiosos, das facções político-partidárias, das cores, das raças, das religiões ou das dissemelhanças culturais. Assim o consagrou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só em tese, aceite, porque raramente cumprida pelos pretensos detentores do poder.
Urge, ainda e sempre, re-nascer, para uma Outra Idade, para um outro Mundo, onde a Racionalidade paute os pensamentos e as acções do Homens, onde o Bom-Senso impere, definitivamente, para além de todos os paradoxos ou contra-sensos.
--------------------------------------------------------------------------------
Scorsese quer clássicos na Internet
Martin Scorsese vai juntar-se ao site “The Austeurs” para disponibilizar clássicos da sétima arte, devidamente restaurados, através da Internet.

A iniciativa pretende igualmente divulgar as obras em festivais de cinema e escolas, além da componente online, de modo a ampliar o público destas relíquias cinematográficas.
O projecto surge no seio da World Cinema Foundation, uma organização criada em 2007 pelo próprio realizador, dedicada à restauração do património cinematográfico.
Mediante a parceria estabelecida está prevista a disponibilização dos filmes, alguns de forma gratuita, na sala de cinema do The Austeurs.
Estão igualmente a ser negociadas parcerias para que estes mesmos filmes fiquem disponíveis noutros serviços, como o iTunes ou o Netflix.
.

domingo, 15 de março de 2009

SETE ANOS NO TIBETE DE HARRER
Por Teresa Santos *




Heinrich Harrer nasceu a 6 de Julho de 1912 em Carinthia, na Áustria. Sendo um alpinista austríaco, a sua capacidade de esquiar levou-o à equipa olímpica da Áustria de 1936. Atingiu a fama por ser membro da primeira equipa, constituída por Anderl Heckmair, Fritz Kasparek e Ludwig Vorg, a escalar a face norte do Eiger nos Alpes Suíços, em 1938. É o autor do clássico livro de montanhismo The White Spider , a história completa das várias tentativas da terrível escalada.

Medalhista olímpico e campeão de escalada em montanha, deixa a Áustria em 1939 para participar numa expedição ao topo de uma montanha, Nanga Parbat, uma das mais altas montanhas dos Himalaias. A segunda guerra mundial começa e como a Áustria se torna parte da Alemanha, todos os alemães e nacionais austríacos na Índia foram aprisionados em campos pelas autoridades coloniais britânicas.

Em 1944, fugiram e escaparam para as montanhas do Tibete, atravessando muitas montanhas numa jornada exaustiva. Dois anos depois, ele e o amigo, Peter Aufschnaiter tornam-se os únicos dois estrangeiros na cidade proibida de Lhasa onde foram bem recebidos. Aí ficou durante 7 anos e a sua vida muda radicalmente e acaba por tornar-se amigo chegado, confidente e tutor do jovem Dalai Lama, acompanhando-o à Índia quando ocorre a invasão chinesa.


Escreve ou edita o livro em 1953 contando as suas experiências. Mais tarde edita Lhasa perdida e Regresso ao Tibete , este livro escrito depois do regresso ao Tibete. Harrer continuou a explorar e escrever sobre outras partes do mundo, mas sempre permaneceu um campeão do Tibete. Em 1962 foi o líder de uma equipa de quatro montanhistas que fizeram a primeira escalada à pirâmide Carstensz (Puncak Jayadikesuma) na Nova Guiné, o mais alto pico da Oceânia. Recebeu várias medalhas e honras.

Na celebração do seu 80º aniversário foi-lhe feito um Sundial e foi inaugurado o Museu Heinrich Harrer em Huttenberg, em Julho de 1992.

Na adaptação para filme, Sete Anos no Tibete, Jean-Jacques Annaud presta tributo ao povo e à religião do Tibete enquanto alerta para a opressão que este país sofre com os chineses. Com a edição do filme, a revista alemã “Stern” publicou provas que Harrer se tinha juntado ao partido nazi. Annaud afirmou não saber que o medalha de ouro dos jogos olímpicos, Heinrich Harrer, que uma vez apareceu no documentário Osterskitour em Tirol, era um membro do partido nazi. Explica ainda que Heinrich se arrepende de ter feito parte do partido nazi. Por causa das políticas asiáticas, não pode filmar nos Himalaias, tendo o filme sido filmado nos Andes.

A História

A história começa com a expedição de um grupo de alpinistas a Nanga Parbat. Nos fins de Agosto de 1939, já tinha acabado o reconhecimento da montanha e esperavam o regresso à Europa. Em Carachi foram aprisionados pelos britânicos num campo de concentração na Índia. Depois de várias tentativas de fuga e mudanças de campos, Heinrich Harrer e outros prisioneiros planearam outra fuga e disfarçados de indianos conseguiram fugir. Decidem ir para o Tibete. A viagem foi penosa e cheia de obstáculos e só Heinrich Harrer e Peter Aufschnaiter prosseguem para o Tibete. Não era fácil entrar na cidade proibida. O Tibete é o país mais alto do mundo e recusa a entrada a estrangeiros. Passam por várias vilas e têm vários encontros com os governadores que lhes recusam a entrada no Tibete, tendo mesmo que voltar para trás. Não desistem. Tentam novamente. No caminho encontram nómadas hospitaleiros e outros nem tanto. Em Gartok imploram a hospitalidade do Tibete neutro, conseguem permissão, um salvo-conduto, para prosseguir viagem para o Nepal, mas não lhes é permitido entrar no Tibete. Passam algum tempo em Kyiorong, onde têm uma vida normal e onde aprendem costumes dos tibetanos, mas a autorização de permanência chega ao fim e têm que partir. Como se partissem com as caravanas teriam que ir para o Nepal, decidem fugir e tentar entrar na cidade proibida.



Depois de passarem por várias vilas e várias peripécias, chegam finalmente a Lhasa, onde ficaram alojados em casa de Tsarong, mais tarde foi-lhes concedido a permissão para permanecerem no Tibete. Heinrich fica a conhecer a cidade e as pessoas, incluindo ministros, o irmão de Dalai Lama, a Grande Mãe e posteriormente o próprio Dalai Lama. Lá ficaram arranjando os mais variados trabalhos. Mais tarde torna-se amigo chegado, confidente e tutor do jovem Dalai Lama, que sendo muito curioso sobre o mundo fora do Tibete, lhe faz inúmeras perguntas todos os dias. Sete anos de felicidade para Harrer passam e a China invade o Tibete dizendo que é parte integrante do seu território. Não havendo uma força imperialista influente como diziam os chineses para libertar o Tibete, quando os britânicos deram a independência à Índia os chineses começaram o neocolonialismo. Começa a guerra no Tibete, que dura muito pouco e os tibetanos acabam por se render. O Dalai Lama é coroado e foge do Tibete, Harrer acompanha-o à índia.

O exército vermelho da China invade o país e durante uma revolta popular em Lhasa o Dalai Lama e milhares de tibetanos fogem para a Índia, em 1959. Os refugiados receberam alojamento e puderam constituir um governo não-oficial no exílio. Neste momento há fome no país, que não consegue alimentar os exércitos de ocupação e os habitantes. Mais de um milhão de tibetanos perderam a vida e noventa e nove por cento dos seis mil templos sagrados foram destruídos. A destruição do Tibete continua e Lhasa tornou-se numa cidade chinesa.

Bibliografia

http://www.harrerportfolio.com/

Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Cultura Científica e Cibercultura, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2005.



--------------------------------------------------------------------------------
* Aluna do 1º Ano de Geologia, FCUL, 2004-2005.
Heinrich Harrer, no filme Brad Pitt, um famoso alpinista austríaco, e o seu companheiro Peter Aufschnaiter (David Thewlis), decidem escalar um dos picos mais altos do Everest.
Harrer, um egocêntrico nato, só pensa em alcançar fama e glória. Todavia, e quiçá por ironia de um Destino qualquer escrito algures e os desaires militares nazis, tornam-no prisioneiro na Índia. Quando, após várias tentativas, consegue fugir, só tem um alvo determiado: o Tibete e a misteriosa cidade de Lhasa, onde re-constroi o seu Espírito à luz de novos valores, os mais primogénitos, perdidos nas teias de uma axiologia invertida.
Á medida que vai interiozando uma nova e diferente cultura, que o transformará para sempre, Harrer torna-se amigo, confidente, professor, também irmão e pai, do jovem Dali Lama, a quem introduz os hábitos da da cultura Ocidental, pretensamente mais civilizada, ao mesmo tempo que assimila as tradições milenares de um Povo em harmonia consigo próprio e com o Mundo, em perfeita consonância com as dádivas da Natureza, ali, ainda imaculada. Porém, a intervenção chinesa alienada encarrega-se do terminus desta amizade solidificada pelos mais genuinos laços do humano no seu estadopuro. Dalai Lama é conduzido ao exílio corpóreo, mas nunca ao aprisionamente da sua Alma, eternamente livre.
Baseado em factos reais, na peregrinação de Harrer e na sua vivência efectiva no Tibet(exactamente durante sete, este é um filme de fina sensibilidade, de nobres ideias, de intensas convicções, da grandeza do Humano.

Isabel Rosete
16/03/2oo9